Category Archives: segredos

Ahhhhh…

Me deito à noite. Eu não consigo dormir. Aquele cheiro, aquele cheiro, aquele cheiro. O perfume dela na minha cama, o sexo permeando o quarto inteiro. O gosto dela na minha boca. Gosto que, em anos, nunca senti. Só que eu queria tudo para mim, eu beberia galões dela. de todos os seus líquidos e suores. Eu não consigo dormir. Me reviro na cama em lembranças revividas que apenas melhoraram, se somam. E agora, agora é leve. É como sempre deveria continuar tendo sido.

Lembrando que, dessa vez, não há verbo ser aí. Estamos. Estamos fazendo. Estamos falando. Talvez, estejamos planejando. Porque o cheiro, ele continua forte. Porque a vontade, ela não passa. Porque as lembranças, elas não se apagam.

E o corpo é carne que sofre, pedindo o fim do suplício: sacia o meu desejo.


Sozinha

Fui soltando meus dedos, um a um, das suas mãos.


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Estava chovendo. Ela colocou o seu rosto o mais perto possível da janela do ônibus; desta maneira se confundiam entre insosso e salgado, chuva e lágrimas.Ferida, esperando ser lavada daquela raiva que a consumia. Ressentia-se da mulher que um dia disse: eu te amo. O que quer dizer eu te amo quando os relacionamentos parecem brincadeiras de ciranda nas quais você solta a mão de uma pessoa e rapidamente, vem outra e te puxa de volta? E quando você não quer estar de volta na roda porque o girar lhe causa vertigens e as pessoas envolvidas, despertam asco? Ela preferia estar em dupla, na segurança de um banco de concreto, de mãos dadas, sem chuva. Mas as pessoas vão e trocam de lugares, numa quadrilha de afetos sem fim. Só que ela, ela se cansa e para no meio do caminho, ofegante, magoada porque não conseguiu acompanhar, porque não respeitaram o seu tempo.


De si

Achou que seria fácil. Rápido, como das outras vezes. Alguns dias de prostração e estaria bem. Ou, talvez, quem sabe nenhum já que, andou tão ocupada, mesmo lá dentro, fazendo tantas coisas. Sair dali. Perguntando às pessoas os por quês. Sair dali. Para, no fim, ter que voltar toda semana. Reconhecer rostos. Responder: não, sim. Não muito, a mesma coisa. Não. Ainda não consegui. Não arrumei meu quarto. Eu. Sair dali.

Dessa vez, reconhece, está sendo lento, bem lento. Doloroso. Estranho. Como se, a todo momento, não tivesse, não caísse em si, finalmente, de que a vida real existe e o dinheiro acaba. De que as contas chegam, ainda as lágrimas a continuar. Sim. Sim.  Sair daqui.

De si.


You made it behave

“I’m a stem now
Pushing the drought aside
Opening up
Fanning my yellow eye
On the ferry
That’s making the waves wave
Illumination
This is how my heart behaves”

Feist – This is how my heart behavesheart

Me sinto menos eu a cada vez que a água, cada vez mais fria enche meu corpo com coisas desconhecidas. Folhas, comidas, remédios.

Menos eu quando, logo eu, sendo tão vaidosa, tendo tanta, tanta coisa que nem cabem nos espaços do meu quarto, não quero nada, não vejo nada. Tiro esmaltes, corto as unhas, o básico, me despersonalizo. E assim, o valor vem de que, mesmo sem isso tudo, gente consegue me enxergar e me incitar o riso, me incitar sentimentos, às vezes, até calma e serenidade.

Me sentia nua sem todas as minhas coisas mas, quando o sentir é tanto e tão hiperbólico, quem precisa delas?

Elas voltam.


Garota interrompida em sua música

JOHANNES VERMEER  in em sua música - Óleo sobre tela - 39,4 x 44,5 - Frick Collection, Nova Iorque

JOHANNES VERMEER
in em sua música – Óleo sobre tela – 39,4 x 44,5 – Frick Collection, Nova Iorque


Living on the edge.

Desde a adolescência e depois de diversos maus diagnósticos, agora isso.


Deve ser mais fácil quando no meio há um oceano, pensou ela. Mas entre nós há somente terra encharcada, talvez algumas montanhas, muita grama.

Se suas saudades passassem pela água, ela poderia ser embalada pelas ondas, conseguindo dormir tranquilamente sem angústias por pensar que seria sempre uma surpresa o que o mar lhe reservava. Ela nunca poderia saber o que o oceano traria.

No entanto, era terra. Eram milhares de kilometros, ligados por precárias rodovias que formavam um caminho que ela nunca fez.

E que não sabia que iria fazer. Na terra, não havia nada que a ninasse. A terra é dura. Engole ou expulsa.Imagem


Por dentro

Fecho os olhos rapidamente, a cabeça encostada na janela suja de vidro enquanto o ônibus percorre os traços quase iguais do subúrbio do Rio de Janeiro. O calor dissolvendo as linhas da minha visão, liquefazendo minha máscara de cores neutras e batom vermelho.

Enquanto os olhos descansam, minha cabeça bate na sua cabeceira de madeira, sem bater porque, instantaneamente, sinto a mão cheia de calos me apoiando, enquanto caio, revolvendo -me entre lençóis. Você dentro e eu, ainda mais dentro de mim. Ouço palavras ásperas as quais respondo cegamente, tateante. O que quiser, amor. Ouço respirações anelantes, sentindo âmago que desconhecia porque fora feito para receber.

Nunca antes eu havia recebido. Sem generosidade porque dividimos este pedaço de mim. Meus ouvidos, obstruídos, fecho os olhos e abro a boca, coloco a língua para fora.  Sinto gosto de branco.

Morro ao ponto de, quando reabro os olhos, o tempo não vem, percebo segundos em batidas convulsas de coração e arrepios acordados. Suspiro.

Desperto do descanso ocular com um tranco. Moça, chegamos no ponto final. Perdeu o ponto, foi? Está perdida?


Bom karma

Carregar comigo um caderno grande e ainda cheio de páginas em branco tem dificultado que eu anote meus pensamentos, sentimentos, acontecimentos diários, ordinários ou extraordinários. Fico querendo contar quantas páginas faltam para o fim, querendo antecipar o fim de um ciclo, como se eu tivesse o controle de alguma coisa só porque posso controlar as páginas, o tamanho da minha letra, se eu gostaria de transcrever algo, de colar algo, de “desenhar” algo.

Resolvi retornar a um diário menor, facilmente transportável e que, por se assemelhar a um bloquinho, não chama tanta atenção para o seu conteúdo. E, na primeira página me declaro com letras impressas requisitando que eu deixe informações e contatos meus. “Em caso de perda, por favor retornar à”. E mais uma linha para falar sobre a recompensa.

Que recompensa? Diário se perde ou só é roubado? Quem é capaz de esquecer jogado o seu baú de segredos, seu muro das lamentações em papel, seu repositor de desejos, de dejetos, todos os gritos silenciosos e as lágrimas, os arrependimentos e o meu rodopiar pela vida.

Como posso colocar uma recompensa nisto? O valor é além do sentimental e, mesmo que eu tivesse dinheiro, ainda assim não conseguiria estipular um valor.

Joguei para o universo e escrevi: bom karma.